Entrevista com Álvaro Costa

O Guardião da Invicta teve o privilégio e a honra de entrevistar Álvaro Costa, conhecido portista. Apresentador de televisão, locutor de rádio, um comunicador por excelência. Já passou pela RDP, Rádio Comercial, Antena 1 e Rádio Nova. Actualmente apresenta a Liga dos Últimos na RTP e "Bons Rapazes" na Antena 3. Em tudo o que faz prima pelo seu profissionalismo e boa-disposição. O amor ao FCPorto deve-o ao pai. Em tudo o que diz isso reflecte-se. Uma entrevista a não perder e que devia ser um exemplo para muitos portistas.

1 - Disse numa entrevista que gosta mais de ser do Porto do que da cidade actual. Acha que esta cidade actual não tem aproveitado o que o FCPorto tem feito por ela?

É uma perspectiva global e “velha” da minha parte: ser do Porto cria uma espécie de ADN mental, uma atitude granítica que por exemplo nos pode ser muito útil para enfrentar grandes desafios: quando estava no meu exílio, sempre que “ia contra um poste” dizia para mim mesmo que eu era um gajo do Porto..rsss…a cidade actual, não quero dizer com isso o período pós Fernando Gomes misto e o actual e legítimo consulado mais uma vez democraticamente validado de Rui Rio, goste-se ou não, é irrelevante já que o povo da cidade é e será sempre soberano, mas sim o retrato de um processo que já vem muito de trás, e cuja explicação remeto para o "cientista da cultura e história portuense", o meu sogro, o Sr.º Professor Hélder Pacheco.

Se fosse apenas a seguir os números, os rankings, os ratings etc, os frios números que por vezes estudo: numa cena internacional o Porto aparece no número 300´s e tal ... Lido numa diagonal estilo 2+2 igual a 4, marcas como o FC Porto, Serralves ou a Casa da Música, são autênticos milagres e significam o factor X, isto é, o espírito empreendedor, liberal, " temos que ser melhores do que os outros n vezes" dos portuenses, que faz com que neste caso 2+2 sejam 5.

2 - A cidade invicta tem sido nos últimos anos muito mal tratada e muito pouco defendida. Uma estação de rádio intrinsecamente e autonomamente portuense faz falta ao Porto?

Existe uma espécie de Portofobia, concentrada na figura de Pinto da Costa, e em grande parte numa ideia do FC Porto como uma associação de malfeitores. Um exemplo claro é a forma como um caso do âmbito criminal como o da Noite do Porto, foi insidiosa e directamente ligado ao clube, como se em Lisboa não existissem problemas semelhantes e eventualmente não existissem membros de claques de clubes locais, com responsablidades em casos semelhantes. Nao sei sinceramente onde acaba a responsabilidade do clube em relação aos seus sócios ou simples apoiantes, mas percebemos as intenções. As vitórias são subvalorizadas e colocadas no contexto dos famigerados apitos , como se 15 anos de insucessos do Benfica , fossem apenas devidos às “maldades” dos bandidolas do Norte.

Gosto muito daquela expressão tipo quem não se sente não é filho de boa gente, mas o meu pai tinha uma variante que era, quem não se sente, por vezes não dá nenhuma importância a mentecaptos, e alguns manhosos que por aí andam. Como eu dizia a uma figura alta do clube uma destas noites, a melhor, a que mais doi e no fundo a única resposta, chama-se vitória...porque o que se pode fazer quando alguém se lembra num momento de festejar um golo da selecção nacional que um "golo" igual foi marcado naquela baliza ao Vitor Baía, mas que então, sei lá, talvez há 234 anos, não valeu...e podia acrescentar que o Bruno Alves que joga na selecção deve ser irmão gémeo do que joga no nosso clube: o da camisola das quinas é um senhor, um Beckenbauer, mas o do FCPorto que joga da mesma forma, apenas tem uma camisola de cor diferente, esse é um assassíno, um carniceiro...estou apenas a dar exemplos insidiosos e subtis no seu veneno, a que por vezes é necessário estar bem atento.

E no aspecto meramente desportivo até bom que pensem assim: enquanto não se convencerem que existe trabalho, dedicação, visão e alguma sorte porque não, que se costuma dizer protege os audazes, vão continuar com a mesma lengalenga. Respondendo à questão directamente: comunicação no sec. XXI é um negócio , puro e duro, e o facto de existirem por si só canais digamos “ nortenhos”, o que hoje em dia é um conceito vago, não significa que esteja encontrado uma espécie de contraditório.

3 - Abordando ainda o mesmo assunto, e tendo noção de que a comunicação social na sua generalidade tem tentado derrubar o FCPorto, tem a opinião de que faz falta ao FCPorto canais próprios de comunicação?

A ideia de comunicação na era digital não tem um centro difusor como no passado recente: essa comunicação inclui o conceito de entretenimento pré match, o que se projeta nos ecráns, e os do Dragon já não são de ponta como aliás todos os que foram integrados no Euro 04, a forma como se vendem os jogos, as iniciativas sociais, o museu e arquivo, um departamento de edições em DVD, os aliás muito atraentes cartazes de promoção dos jogos, o marchandising, etc…

Claro que entendi a pergunta e não querendo entra na onda o Benfica tem um canal, o FCPorto também tem de ter, é obvio que acredito na viabilidade de um projeto semelhante , e que até possa, tendo em conta a experiência feita até ao momento pelo canal do clube da Luz, superá-lo em qualidade e conteúdo televisivo.

4 - Já viveu muito tempo fora de Portugal, nomeadamente em Inglaterra e nos EUA. Como é que foi viver o FCPorto fora das fronteiras portuguesas?

De todas as maneiras e feitios…desde ter um lanche grátis num café de Seattle porque o dono era argelino e tinha a foto do Madjer na parede, passando por fazer dezenas de quilómetros para saber o resultado de um Milan-FCPorto em Los Angeles, até esquecer-me da loura que fez a viagem comigo entre Genebra e Paris, para correr a comprar o L´equipe na Gare du Nord, para saber um resultado do FCPorto na Europa.

5 - Possui um grande poder de comunicação e é capaz de fazer com que as pessoas, para além de ouvi-lo, escutem-no. Sonha um dia colocar essa sua capacidade ao serviço do FCPorto?

Já o fiz algumas vezes, em especial no tempo do primeiro penta, na fase de transição de clube para SAD. Em todas essas vezes, em especial a noite memorável em que centenas de milhares se concentraram na Avenida dos Aliados, a minha dedicatória era para o meu falecido pai que me levou às antas com 3 anos de idade, e desde pequenino me fez viver esta paixão , em especial no tempo em que não se ganhava nada de nada, onde parecia existir uma maldição qualquer…para quem como eu subia e descia a rua das antas, passava pelo restaurante vitória, e voltava pelo caminho inverso para casa da minha avó em São Roque da Lameira, tudo o que fiz até agora, é uma espécie de dedicatória pessoal aos valores que aprendi metaforicamente com os domingos às tarde nas antas.

Tenho uma relação simpática e próxima com muitos quadros da SAD, e sei que essa estima é mútua, o que não quer dizer que não pense pela minha cabeça, mas sonho, desejo, vontade não chega..rsss…se um dia existir uma oportunidade e um interesse mútuo quem sabe.

6 - Já teve a oportunidade de festejar muitas conquistas e de viver algumas derrotas do FCPorto. Qual foi o momento em que sentiu mais orgulho em ser portista?

A tarde de Maio em que ao descer Fernão Magalhães, após a conquista do título que mudou o futebol português, alguém da multidão reconhecia o grande Miguel Arcanjo que abraçado ao meu Pai, celebrava um título que eles já tinham vivido juntos em Torres Vedras 18 anos antes, e dizia: “ aquele é o Miguel Arcanjo , o outro não estou a ver..” e eu disse, é o meu Pai!

7 - O FCPorto é Tetracampeão Nacional, vencedor da Taça de Portugal e da Supertaça Cândido de Oliveira e com presença na temporada passada nos 8 melhores da Europa. Acredita que é possível fazer igual ou melhor esta temporada?

Repetir essa performance já seria uma boa época; ultrapassar, difícil claro, mas possível, em especial com alguma benção divina, ir mais longe na Champions...mas gostaria de dizer algo que não vai agradar a muita gente: confunde-se nas bancadas do Dragão, exigência com excesso de zelo. Eu que sou do tempo que não se ganhava nada, fico espantado com a facilidade com que se assobia, e se mostram sinais de desagrado por vezes e na minha pobre opinião injustos: dou um exemplo com a segunda parte do jogo com o Leixões, em que face às alterações e cansaços provocados pelas jornadas internacionais, não era possível, ainda por cima antes da viagem a Stamford Bridge, manter o mesmo speed...eu sei que o benfica tinha espetado 8, uma expressão que o meu amigo Fabio Coentrão usa muito, mas pode ser que quem sejam espetados sejam eles lá mais para o final da época, e que era expectável que o placard final se aproximasse com uma segunda parte semelhante, mas caramba o que escutei não faz nenhum sentido...não quero comparar o ambiente das Antas, mas tenho saudades do estádio todo de pé, dos saltos do princípio ao fim das partidas, do terror que se provocava nos adversários. Entendo os novos tempos, mas perdoem-me a franqueza, por vezes parece que uma boa parte dos fans actuais estão a ver filmes no Lusomundo e a comer pipocas e salgadinhos.

8 - Jesualdo Ferreira, nem sempre consensual entre os portistas, tem conseguido construir excelentes equipas no FCPorto. Entende que com um pouco mais de ambição será possível que o Professor conquiste algum título europeu?

Ser campeão europeu no actual contexto, digamos "político" criado pela UEFA e media associados, não pode ser um objectivo à partida; como as coisas andam para Portugal, rezo para que o campeão nacional tenha entrada directa mais uns anitos...no entanto e face ao currículo ímpar do nosso clube (alguns outros poderiam agradecer os pontos que conquistamos para e que pelo menos o segundo classificado ainda possa participar...), e aos "milagres" sazonais que por vezes realizamos, acreditamos sempre um pouco mais, mas e à partida passar à segunda fase é o mínimo, depois pode acontecer algo como a noite com o Shalke04: recordo que a seguir nos calharia o Barcelona de Rijkaard e que a partir dos oitavos a coisa se torna mais totobola. Ainda hoje esse jogo não me sai da tola, em especial e que culpa tem o Prof., do Tarik falhar 2 golos de cabeça que o bi bota com 50 e tal anos não falharia, e daquele número de circo egoísta que o Quaresma apresentou já perto do final do prolongamento? Recordo que os outros adversários foram o Chelsea e o Manchester United e que nos portamos muito bem e que com alguma ajuda dos deuses da bola, as respectivas histórias poderiam ser diferentes...o Prof. tem sido um pouco injustiçado, mas o tempo, esse grande escultor como diria a Marguerite Yourcenar, vai dar-lhe uma outra dimensão, até porque não esqueçamos entrou num momento legalmente complicado, sem currículo popular, isto é títulos e de uma forma algo inesperada, ou já se esqueceram do meu ex-vizinho e apreciador de golfe e outros prazeres da vida Co, de seu nome Adriaanse? E já agora que treinadores que passaram pelo FCPorto não foram contestados por isto ou por aquilo? Eu ainda sou do tempo das almofadas para o relvado e dos julgamentos "populares", das verdadeiras fatwas desportivas deliberadas pelo tribunal das antas.

9 - O nome do momento no FCPorto é Radamel Falcao. As comparações com Fernando Gomes e Mário Jardel são consistentes?

Entendo-as. Também poderia incluir o Flávio, da minha infância, que era para a época um cabeceador "assassíno".. Mas ainda é cedo para o colocarmos nesse patamar: quando chegar aos 50 golos e marcar mais alguns na Champions como os do Jardel em Milão, ou os do Gomes contra o Dinamo de Zagreb, o Rangers ou o Dinamo de Kiev que nos levaram a finais europeias, aí falaremos....Gostava apenas de dizer que o meu irmão é um grande conhecedor do futebol sul americano e do perfil dos atletas dos diferentes países. O sucesso ou insucesso pode depender desses factores digamos mais sociais ou culturais. Ele já viu jogos na Colômbia e na Argentina, e muitas vezes acertava em relação às chances de sucesso de alguns artistas que vinham jogar para a Europa..nao sendo um brujo, costuma acertar e o perfil pessoal e moral do RF9, é muito positivo, o que é um grande passo para se tornar numa referência.

10 - Apresenta a Liga dos Últimos, que é um dos melhores programas desportivos da televisão. Falta ao futebol profissional a mística e o amor puro do futebol amador?

A Liga parte desse universo mas não é um programa desportivo somente; o anterior, o N Amadores, tinha mais esse perfil, mas também não se limitava às "quatro linhas"...Mas respondendo à tua pergunta, falta ao futebol dos primeiros, que a sua qualidade, profissionalismo e competência, se equivalha a essa paixão que de facto existe e que exaltamos semana após semana. Podem dizer tudo o que quiserem do programa, e já o fizeram, que a nossa rota está tomada e que o " balneário" está unido e não vacila, mas há algo que só pobres de espírito, ou então ricos de soberba ignorante podem afirmar: que gozamos com as pessoas. Então eu que tive um pai que era amador dos Fluminenses do Bonfim e que na infância vivia paredes meias com o campo do Rio Ave do tempo que nem bancadas existiam, e o transmontano de coração e atitude, Campeão Europeu Prof. Hernâni Gonçalves algum dia teríamos essa atitude? E se a tivéssemos há muito que o povo genuíno nos tinha mostrado um cartão vermelho definitivo.

11 - O futebol de formação portista deu grandes jogadores ao clube, que foram ao longo dos anos grandes referências e portadores da mística azul e branca. Acha que os portistas têm razões para acreditar que possam voltar a aparecer jovens de grande valor na equipa profissional?

Gosto muito de ver o canal ESPN clássico, porque para além de ser muito didáctico, muita malta que comenta e escreve sobre futebol deveria ver essas partidas, corresponde a uma era que não volta mais: estava a ver ou a rever a final de 1983, da Taça dos Campeões entre o Hamburgo e a Juventus que um ano mais tarde em Basileia nos ganharia em circunstâncias ao mais alto " fair play"...como dizia a canção do Jorge Palma, deixa-me rir....e uma das cenas mais engraçadas é que essas e outras equipas apresentavam anos seguidos os mesmos artistas...hoje em dia se ficarem 6 meses já é muito bom. Exagero claro para dizer que o tempo não volta para trás, mas anda para a frente, com as academias que e notem não existiam antes do Euro 04, e com projectos como o do Olhanense, que apesar de algumas saloias opiniões, é algo muito importante, e bem mais efectivo do que as inconsequentes equipas B. Gosto muito do Castro e do Ukra, e acredito no futuro do meu ídolo dos tempos modernos do clube, Jorge Costa, como treinador e transmissor da tal mística que no fundo se resume a ganhar contra tudo e todos.

12 - Se tivesse que escolher uma frase e/ou citação para resumir o seu amor ao FCPorto qual seria a eleita?

Vamos a eles que nem tarzões!!!

13 - Que mensagem gostaria de deixar a todos os portistas que possam ler esta entrevista?

Que cá estaremos todos no dia em que o FCPorto ultrapassar o benfica em número de campeonatos, um feito que há uns anos era algo do estilo ficção científica...mas é algo que sei que o meu pai festejará onde quer que esteja, e que sei que é também uma espécie de objectivo final do eterno, pelo menos espiritual e simbolicamente, Jorge Nuno de Lima Pinto da Costa.